sexta-feira, 4 de março de 2011

ANGOLA, OS CONSTRUTORES DAS REFORMAS EDUCATIVAS: O PAPEL DOS PROFESSORES NA IMPLEMENTAÇÃO DO NOVO QUADRO EDUCATIVO*
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O sucesso das reformas educativas não está somente em bons programas ou boas ideias reformistas, aliás, bons programas e boas ideias geralmente as temos. Está, sobretudo, na força dos actores que as concebem e as implementam. Está numa comunicação coordenada entre todos os actores envolvidos numa determinada reforma, tanto os do topo como os da base. Actualmente, a nova ordem hierárquica administrativa (de baixo para cima), fruto do modelo democrático e descentralizado, leva-nos a relacionar o papel dos actores das bases com o sucesso ou não das reformas educativas implementadas em diferentes países do mundo.

Trata-se, sobretudo, do envolvimento dos professores na concepção e implementação das reformas educativas, um envolvimento que requer informação, negociação e formação. Ou seja, parafraseando António Nóvoa, é necessário que os professores sejam “chamados a desempenhar o papel de agentes da reforma” (Nóvoa, 1992:67); eles são os agentes inovadores na escola (Canário, 2005; ver também Ngaba, 2006). Em outras palavras, em qualquer reforma que vise a melhorar a qualidade da educação, o professor é de crucial importância. A parceria com os professores é apontada pela UNESCO como fazendo parte do leque dos elementos que têm impacto directo sobre o possível êxito das reformas educativas, visando ao aperfeiçoamento da qualidade da educação (UNESCO, 2005a:29).

Daí em muitos casos, as reformas dos sistemas educativos incidirem com as reformas na formação dos formadores (professores) procurando, assim, corresponder às transformações desencadeadas no sistema de ensino. A ênfase dada a certas componentes de formação de formadores encontra a sua justificação na necessidade de incentivar a sua preparação nas áreas consideradas pertinentes pelas reformas educativas. Assim, num sistema educativo em que a ênfase recaia no técnico-funcionalismo é de esperar que a preparação dos docentes dê prioridade, por exemplo, a temáticas ligadas ao desenvolvimento económico (Popkewitz & Pereyra, 1992). O mesmo pode dizer-se do multiculturalismo e do bilinguismo (Popkewitz & Pereyra, 1992), ou dos modelos de organização escolar (Pilipovski, 1992). Este tipo de formação abrange tanto a formação inicial como a contínua.

Dentro das dinâmicas do Sistema Educativo Mundial realça-se o papel das organizações transnacionais em envolver os professores nas reformas educativas actuais a nível mundial. No caso do terceiro mundo, o destaque vai para a UNESCO e a União Europeia. Tem-se verificado um esforço da parte, sobretudo, da UNESCO, na formação dos professores do terceiro mundo em busca do sucesso das reformas educativas aí implementadas. Por exemplo, o Instituto Internacional para o reforço da capacidade da UNESCO na África desenvolve programas de formação docente utilizando metodologias de formação à distância; em alguns países têm sido criados programas de formação de docentes no âmbito de formação inicial e o fomento de acções que visam motivar os professores no exercício das suas funções (UNESCO, 2005b). Ou melhor, a UNESCO tem estado a colaborar “com distintos países sobre como optimizar os recursos da educação nos ensinos médios e superior, com a finalidade de formar professores de bom nível” (UNESCO, 2005b:7).

Perrenoud considera a formação inicial e contínua dos professores como uma das alavancas mais importantes na concretização das mudanças nas escolas, uma vez que a inovação não se faz por decreto, mas sim em virtude de uma livre convicção (Perrenoud, 2002). Este autor aponta dois factores para defender a aposta na formação inicial e contínua dos professores: ela actua sobre os valores e as representações e fornece saberes e competências que tornam as mudanças possíveis. É nesta lógica que decorrem muitos programas promovidos por organizações transnacionais que visam a capacitar os professores dos países em vias de desenvolvimento (Perrenoud, 2002:10).

Em Angola temos vindo assistir a implementação da nova reforma educativa, acompanhada por actividades de formação contínua dos professores, principalmente os do ensino básico e secundário, tanto do I como do II ciclo. Não é nossa intenção questionar os moldes como isto tem decorrido, embora constatemos no terreno uma significativa indiferença por parte de alguns professores face aos desafios da inovação escolar que devem acompanhar o quadro da nova reforma educativa angolana. Contudo, é pertinente que se questione o não investimento sério numa revisão séria dos currículos do ISCED a nível nacional, em vista a capacitação dos novos professores nos valores, representações, saberes e competências sobre o quadro da nova reforma educativa em Angola. Ou seja, está o ISCED devidamente preparado para fornecer ao mercado angolano professores com uma formação inicial de nível, e capazes de se envolver na inovação das nossas escolas, em vista ao sucesso da nova reforma educativa angolana? O desafio é nosso, é dos agentes do ensino e educação em Angola. O que estamos a espera?
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BIBLIOGRAFIA:
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AZEVEDO, J. (2000). O ensino secundário na Europa. O neoprofissionalismo e o sistema educativo mundial. 1.ª Edição. Porto: ASA Editora

CANÁRIO, R. (2005). O que é a escola? Um olhar sociológico. Porto: Porto Editora

NGABA, A. (2006). Transnacionalismo e políticas educativas. O caso angolano (1975-2005). Dissertação apresentada à Universidade Católica Portuguesa para a obtenção do grau de Mestre em ciências da educação. Porto: Universidade Católica. Documento policopiado

NÓVOA & POPKEWITZ (1992). Reformas educativas e formação de professores. Lisboa: Edições EDUCA

NÓVOA, A. (1992). A reforma educativa portuguesa: questões passadas e presentes sobre a formação de professores. In NÓVOA & POPKEWITZ (1992). Reformas educativas e formação de professores. Lisboa: Edições EDUCA. pp. 57-69

PERRENOUD, P. (2002). Os sistemas educativos face às desigualdades e ao insucesso escolar: uma incapacidade mesclada de cansaço. Université de Genève. Edição on-line: www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/php_main/php_2002/2002_14.html 02.12.2005

PILIPOVSKI, V. (1992). Reformas educativas e formação de professores: o caso soviético. In NÓVOA & POPKEWITZ (1992). Reformas educativas e formação de professores. Lisboa: Edições EDUCA. pp. 135-142

POPKEWITZ, T.S. & PEREYRA, M.A (1992). Práticas de reforma na formação de professores em oito Países: esboço de uma problemática. In NÓVOA & POPKEWITZ (1992). Reformas educativas e formação de professores. Lisboa: Edições EDUCA. pp. 11-40

UNESCO (2005a). Educação Para Todos. O imperativo da qualidade. Relatório conciso. Paris: Edição on-line:www.unesco.org.br/2005.11.12

UNESCO (2005b). A UNESCO e a Educação. Brasília: UNESCO Editora. Edição on-line: www.unesco.org.br./ 2005.11.20

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*Síntese, com algumas adaptações, de um dos itens da Tese de Mestrado de Ngaba (Ngaba, 2006)
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